Um dos municípios com menor território no estado de São Paulo, Poá, na região do Alto do Tietê, foi considerado nos anos 70 uma estância hidromineral devido ao alto teor de radioatividade da água encontrada ali e suas qualidades fisioterápicas. Ainda que este título tenha sido revogado recentemente, Poá continua sendo um município de interesse turístico (MIT), que guarda nascentes cristalinas em seus limites. Uma delas fica no Espaço Iauê, que desde 2019 promove a cultura, a arte e a diversidade na periferia da cidade. Porém, na sexta-feira (10), o espaço de convivência, oficinas e educação, vivenciou momentos de truculência, insegurança e medo: dois homens armados e bastante agressivos, entraram na propriedade e reivindicaram, com violência, a posse do terreno, desafiando não só a comunidade local, mas a própria lei.
“Eles proferiram insultos racistas e preconceituosos, insistindo na legitimidade duvidosa de seus documentos de posse do terreno”, conta Beryl Vasconcelos, advogada do espaço Iaue. Após a intervenção policial e uma breve trégua, os mesmos homens retornaram algumas horas depois. De acordo com os membros da comunidade, eles seguem rondando o espaço visando intimidá-los. O clima no local, que sempre foi de festa desde que o projeto Iauê teve início, hoje encontra-se denso, com os moradores receosos de que algo pior aconteça. “Permanecemos unidos, mas está difícil não se assustar com tamanha violência”, declara Camila Gomes, indígena de povo kayapó e pataxó, e uma das idealizadoras do projeto.
Visita de escola municipal de Poá ao Espaço Iaue
Abrigadas pela Lei Paulo Gustavo do Estado de São Paulo, as idealizadoras do espaço Iauê e os membros da comunidade de Poá, revitalizaram o terreno, que estava abandonado há três décadas e há cinco anos, iniciaram os trabalhos de restauração, transformando um antigo depósito de lixo em um amplo local de convivência em meio à natureza. Apoiado pela legislação estadual, o projeto é um ponto de cultivo de culturas originárias e recebeu recentemente os indígenas pataxó da Aldeia Pequi, em Cumuruxatiba, extremo sul da Bahia, para compartilhar saberes ancestrais e técnicas de bioconstrução tradicional. Além disso, o projeto também realiza plantações de espécies nativas e oferece oficinas educativas para as escolas locais, de maneira a fortalecer os laços entre a comunidade e suas raízes culturais.
Para os pataxós Edilson, Peroba e Pajé, apesar das ameaças representadas pela ganância capitalista, simbolizadas pela invasão violenta do terreno, o projeto persiste em sua missão de preservar o meio ambiente e promover a cultura ancestral. Este episódio é apenas mais uma triste página na saga de resistência de um povo e seus descendentes – que estão determinados a proteger suas tradições e o seu ambiente natural.
Espaço promove contato com a natureza e oficinas culturais
Histórias que se cruzam
Na região, além do Espaço Iauê, estão presentes também o Terreiro Cazuá da Vó Maria, que oferece orientação e apoio à comunidade local, e o Varandana, espaço coletivo de arte e cultura – estes dois, com mais tempo de atuação. “Nosso projeto visa unificar esses encontros, construindo pontes entre culturas, compartilhando sabedoria e celebrando a diversidade”, relata Ana Pires. Uma das características mais notáveis do Iauê é o seu compromisso com o histórico cultural da região: é um local onde o passado e o presente se entrelaçam em busca de um futuro mais harmonioso. “Essa integração de diferentes saberes ajuda a combater a exclusão social, criando oportunidades de participação na vida pública, cultural e econômica de Poá”, completa Ana.
Com diversas atuações e em consonância com outros projetos da região, o Iauê engloba uma ampla gama de indivíduos e grupos que convivem harmonicamente no mesmo chão – e o evento truculento que aconteceu no começo desse mês não pode interromper uma história tão bonita, construída a tantos braços e durante todos estes anos. “Queremos a garantia de que estaremos seguros dentro do nosso espaço, para que continuemos a levar lazer, educação e bem-estar tanto para os moradores da região quanto para aqueles de fora que vem nos visitar”, finaliza Ana Pires.
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GRAZIELA NATASHA MASSONETTO
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