Daniel Cerveira*
Muitos negócios demandam um espaço próprio para o seu funcionamento, tais como, hotéis, lojas, restaurantes, indústrias, serviços, entre outros. Este espaço é chamado de “ponto comercial”, ou seja, é o local onde o empresário explora as suas atividades.
Destaca-se que o ponto comercial é estratégico para o sucesso dos negócios, bem como, por vezes, demandam alto investimento na sua entrada com “luvas” e construção ou reforma no imóvel. Desta forma, a eventual perda do ponto comercial, pode representar grande prejuízo para o franqueado e para a marca respectiva como um todo.
Cabe esclarecer que o “ponto comercial” não se confunde com o “fundo de comércio ou empresarial”, no sentido de o “ponto comercial” é um dos elementos que integram o fundo de comércio, como nos ensina a doutrina de Sylvio Capanema de Souza: “… o fundo de comércio se compõe, assim, de elementos corpóreos e incorpóreos, citando-se, entre os primeiros, os imóveis, móveis que os guarnecem, máquinas, equipamentos, matérias-primas, estoques, vitrines, instalações etc., e entre os segundos, a clientela, o ponto, as marcas, nomes comerciais, patentes etc.”.
Como se vê, o fundo de comércio ou empresarial é o conjunto de bens materiais e imateriais que formam o estabelecimento comercial, atualmente positivado pelo Código Civil de 2002: “Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”.
Nesse contexto, muitas vezes, o ponto comercial é alugado pelo franqueado, em condições a serem acertadas com o locador do imóvel. Com a finalidade de proteger o “fundo de comércio” constituído pelos inquilinos de eventuais abusos dos senhorios, a nossa Legislação Inquilinária, desde o Decreto 24.250, de 1934, inspirada em Lei Francesa de 1872, foi concebida de modo a resguardar os empresários locatários de imóveis quanto à defesa do seu fundo de comércio, muito embora contenha algumas regras menos favoráveis em comparação com as disposições aplicáveis para as locações residências . Muito injusto seria se os comerciantes ficassem sempre a mercê dos desejos dos locadores, depois de formada a sua clientela e procedidos os investimentos em seus estabelecimentos.
Hoje as locações de imóveis urbanos no Brasil, inclusive de espaços em shoppings centers, são reguladas pela Lei 8.245/91, como também pelas demais leis ordinárias aplicáveis. Do ponto de vista do empresário inquilino de imóvel, incluindo-se neste grupo os franqueados, o dispositivo legal mais importante é a que cuida da chamada “ação renovatória de contrato de locação”, cujo objetivo é garantir a renovação do contrato de locação, ou seja, a manutenção do empresário na posse do ponto comercial, independentemente da concordância do respectivo locador.
Para ser possível o ajuizamento da ação renovatória, são necessários os seguintes requisitos: (i) a ação deve ser proposta de 1 ano a 6 meses antes do vencimento do prazo de vigência; (ii) firmar contrato de locação escrito e com prazo determinado de 5 anos ou possuir contratos cujos prazos somados atinjam 5 anos ou mais; (iii) comprovar o cumprimento de suas obrigações; (iv) estar nos últimos 3 anos no mesmo ramo de atividade; e (v) indicar fiador/garantia idôneo – aplicável parta os contratos que tiverem previsão de garantia. Proposta a ação renovatória e não sendo celebrado acordo durante o transcorrer do processo, caberá ao juiz fixar o valor do aluguel, apoiado em perícia avaliatória que indicará o locativo justo e real para a respectiva locação. Em vista do prazo acima mencionado, os lojistas devem monitorá-lo no sentido de procurarem negociar as renovações contratuais antes do seu término. Ou seja, o objetivo principal deve ser evitar a ação renovatória, através da negociação da renovação do contrato de locação com a devida antecedência. Na hipótese do locador/proprietário do imóvel se recusar a renovar ou exigir um valor de aluguel acima do preço médio de mercado, os inquilinos poderão então fazer uso da ação renovatória, para garantir a sua permanência no ponto comercial, vez que, neste caso, o locador ficará impedido de propor a ação despejo por denúncia vazia visando reaver o imóvel, bem como a finalidade de garantir um aluguel de acordo com a realidade de mercado da época. Por estas razões, é interessante que o lojista, para lhe ajudar nas negociações e amparar as decisões, procure apurar o valor médio dos locativos cobrados dos inquilinos na região onde se encontra a sua loja ou no shopping center respectivo. Outro ponto favorável é que, observando-se o prazo da ação renovatória, o lojista não será obrigado a aceitar eventual cobrança de ”Luvas” do locador como condição para a renovação do contrato, pois tal exigência não pode ser feita em sede da ação renovatória. Nesta linha, além de proteger o ponto comercial, a ação renovatória também é favorável para manter equilibrada a relação entre as Partes e a loja como um todo, na medida em que impede que o lojista fique sujeito a imposições dos seus senhorios que envolvam a cobrança excessiva de aluguel ou de “Luvas”.
Quanto às “luvas”, prestação esta conhecida também como “res sperata”, “contrato de co-participação”, “cessão de direitos”, entre outros nomes, impõe salientar que não é ilegal a sua cobrança, sendo nula, no entanto, cláusula que imponha obrigação pecuniária no caso de renovação “judicial” do contrato, como determina o artigo 45, da Lei do Inquilinato. Por outro lado, destaca-se que o pagamento das “luvas”, à principio (salvo eventual previsão contratual), não gera qualquer direito em favor do empresário, entenda-se lojista/franqueado, no que tange à renovação futura da avença locatícia. Isto é, se inquilino firmar contrato de 4 anos, por exemplo, mesmo pagando as “luvas”, não será cabível a ação renovatória, o que quer dizer que, terminado o prazo contratual, o locador poderá exigir a retomada da posse, por meio da salão de despejo. Igualmente, cumpre consignar que, mesmo pagando as ‘luvas”, o lojista não poderá “vender” o seu ponto ou negócio (com exceção a hipótese de transferências cotas sociais) livremente, tampouco, em regra, ser indenizado na hipótese de rescisão do contrato de locação.
A Lei do Inquilinato, norma de ordem pública, outrossim, traz possibilidades de revisão judicial do valor do aluguel, de modo a evitar que os locativos fiquem distanciados da realidade de mercado. Estas previsões legais estão amparadas no Princípio da Função Social dos Contratos e têm como objetivo impedir o enriquecimento sem causa de uma das partes.
Uma possibilidade é, tanto o locador como o locatário, se valerem da ação revisional, a qual somente pode ser ajuizada após 3 anos de vigência do contrato ou 3 anos depois da última alteração do valor do locativo (não se aplica para a concessão de descontos temporários). Recomenda-se que, antes da propositura desta ação, seja realizada uma avaliação do aluguel, por profissional expert no assunto, a fim de confirmar se realmente o locativo está acima do valor de mercado. Esta avaliação deve ser realizada à luz das normas técnicas aplicáveis, por meio da aplicação dos métodos adequados, sendo o mais usual o chamado comparativo direto, o qual poderá ser por fatores e/ou inferência estatística.
Outra forma de ser revisado forçadamente o locativo é através da ação renovatória de contrato de locação, lembrando que, como ocorre com a ação revisional acima mencionada, o juiz é que fixará o valor do aluguel, após regular perícia. Vale esclarecer que, na hipótese da ação renovatória, o novo aluguel vigorará somente para o próximo período de 5 anos.
A outra possibilidade judicial de reduzir (ou aumentar) compulsoriamente o aluguel é por meio da ação de revisão de contrato, embasada no Código Civil. Nesta hipótese, necessário comprovar que algum fato imprevisível desequilibrou o contrato, não bastando a simples redução do faturamento em vista da crise econômica para justificar a procedência da ação. Temos como exemplo, os casos de shoppings novos os quais não foram inaugurados com os atrativos prometidos (lojas âncoras etc.) e o lojista não atinge o faturamento projetado, comparando-se com outras lojas instaladas em empreendimentos com o funcionamento “normal”. Para ser ajuizada a ação de revisão de contrato é necessário um prévio estudo aprofundado, com o objetivo de verificar se a mesma é cabível.
Como último tópico a ser elaborado neste trabalho, temos a questão referente à transferência da locação, considerando que a Lei do Inquilinato veda a cessão, empréstimo/comodato e sublocação, sem a prévia concordância do locador. No caso de shopping centers,além da previsão da chamada “taxa de transferência”, é comum os contratos estabelecerão que também esta proibida a transferência das cotas sociais ou ações da locatária, que represente a perda do controle societário ou determinado percentual na sociedade . Por estas razões, recomenda-se que os franqueados insiram em seus contratos cláusula que permita a cessão (entenda-se transferência da locação) do contrato de locação para outro membro de sua rede, sem a incidência de qualquer ônus.
Nesta linha, são muito comuns os negócios que envolvem a “venda” do fundo de comércio ou estabelecimento (conhecido também como “trespasse”), especialmente, aqueles abrangendo a cessão (transferência) do contrato de locação.
São comuns os problemas enfrentados pelas partes nestas operações, em razão da ausência de atenção para alguns cuidados essenciais, considerando os riscos inerentes destas operações, sob o ponto de vista do cessionário/novo locatário (adquirente do estabelecimento).
Além dos cuidados referentes ao contrato de locação, os quais serão pormenorizados abaixo, o principal temor existente trata-se da eventual responsabilização por débitos do cedente.
Em suma, dependendo da circunstância, o adquirente do estabelecimento pode ser responsabilizado nas esferas civil, trabalhista e fiscal por dívidas contraídas exclusivamente pelo cedente, ou seja, por dívidas criadas antes da aquisição do estabelecimento/fundo de comércio.
A legislação pátria possui dispositivos específicos (vide artigos 10 e 448, da CLT e artigo 133, do CTN), merecendo destaque o artigo 1.146, do Código Civil, cuja entrada em vigor se deu em 2.003.
Nessa linha, antes de ser concretizado do negócio, sem prejuízo das demais diligências de praxe, inclusive com a completa auditoria legal, imprescindível que o cessionário analise o passivo da empresa/cedente, a fim de que seja avaliado o risco existente, o qual, em última análise, servirá de base para a quantificação do preço do negócio.
Quanto ao contrato de locação, é necessário prontificar-se que o mesmo foi cedido corretamente, através da aceitação escrita do locador do imóvel locado, com o fito de evitar responsabilização por débitos locatícios, a retomada da posse pelo locador, entre outros consequencias. Ademais, em ocorrendo a ocupação irregular do imóvel locado, o cessionário ficará privado da ação renovatória de contrato de locação, o que pode ser uma tragédia, na medida em que o ponto comercial é muitas vezes o bem mais valioso do estabelecimento adquirido.
Como o assunto é extremamente complexo e compreendem diversas variáveis (por exemplo, a responsabilização do cessionário do contrato de locação na Justiça do Trabalho não se configura de plano, sendo necessário, basicamente, que seja dada continuidade ao negócio do cedente), fica o registro de que os cuidados acima são meros exemplos para embasar o argumento do presente, no sentido de que, sem prejuízo da devida análise comercial, é fundamental o prévio exame jurídico completo da viabilidade do negócio.
*Daniel Cerveira, sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados. Autor dos livros “Shopping Centers – Limites na liberdade de contratar”, São Paulo, 2011, Editora Saraiva, e “Franchising”, São Paulo, 2021, Editora Thomson Reuters Revista dos Tribunais, prefácio do Ministro Luiz Fux, na qualidade de colaborador. Consultor Jurídico do Sindilojas-SP. Integrante da Comissão de Expansão e Pontos Comerciais da ABF – Associação Brasileira de Franchising. Pós-Graduado em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP) e em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atuou como Professor de Pós-Graduação em Direito Imobiliário do Instituto de Direito da PUC/RJ, MBA em Gestão em Franquias e Negócios do Varejo da FIA – Fundação de Instituto de Administração e Pós-Graduação em Direito Empresarial da Universidade Presbiteriana Mackenzie.