Mudanças de temperatura, virada de estação, queda na taxa de vacinação. São muitos os fatores que desencadeiam uma série de doenças, principalmente em crianças, que estão em plena fase de desenvolvimento do sistema imunológico. Para tirar as dúvidas dos pais e cuidadores sobre como manter os pequenos protegidos, a Inspirali, principal ecossistema de educação médica do país, convidou o coordenador da área pediátrica dos seus cursos de pós-graduação (IBCMED), Dr. Mário Carpi. Confira:
– Como as mudanças climáticas afetam a saúde das crianças?
R: As crianças têm sistema imunológico em desenvolvimento, o que as torna mais suscetíveis a doenças relacionadas ao clima, como doenças respiratórias causadas pela poluição do ar.
– Quais as doenças mais prevalentes atualmente?
R: As doenças respiratórias, como asma e pneumonia, têm maior incidência no outono e inverno, mas mesmo na primavera e verão ainda são muito prevalentes. Além disso, com a chegada da primavera e verão e elevação das temperaturas, a diarreia e sua grande complicação, a desidratação, tornam-se muito frequentes.
– Além dos cuidados básicos, quais as maneiras de prevenir doenças?
R: É importante ter hábitos saudáveis de vida como comer bem e de forma equilibrada, tomar bastante água, dormir bem, manter relacionamentos saudáveis e um ambiente harmônico em casa. É fundamental que as imunizações (vacinas) estejam atualizadas e que se tome cuidado com hábitos de higiene, como a lavagem das mãos, sempre antes de manipular os alimentos das crianças, bem como após espirrar ou assoar o nariz. Atenção para o consumo de alimentos frescos e de fontes confiáveis. Além disso, evite automedicação e visite seu pediatra periodicamente. Ele saberá orientar medidas preventivas importantes e individualizadas para cada criança.
– Há dados sobre aumento de doenças respiratórias em crianças provenientes das atuais condições climáticas?
R: As doenças respiratórias sempre estão entre as mais importantes dentre aquelas que afetam crianças. Isso não muda. No entanto, a baixa cobertura vacinal e possivelmente mudanças climáticas (poluição, tempo mais seco, fumaça de queimadas) estão relacionadas ao aumento do número de internação por doenças respiratórias, principalmente de bebês menores de 2 anos. A cobertura vacinal de doenças como a gripe e o sarampo, por exemplo, estão abaixo do desejado. Isso não tem relação com mudanças climáticas, mas sim com políticas de saúde pública. É importante fazermos o básico.
– Quais os novos tipos de vírus e/ou doenças que estão afetando nossas crianças?
R: Os vírus respiratórios que afetam as crianças, particularmente os menores de 2 anos, são os mesmos de anos anteriores. Destacam-se o vírus sincicial respiratório, o Influenza (gripe), Parainfluenza, Metapneumovírus e Rinovírus. Quanto às bactérias também são as mesmas, porém cada vez mais resistentes em função do uso exagerado de antibióticos. Dentre essas o pneumococo, o Haemophilus influenza não tipável e a Moraxella catarralis se destacam. Vale lembrar também do Mycoplasma pneumoniae, bactéria atípica que causa pneumonia em escolares e adolescentes, bem como da Bordetella pertussis, bactéria causadora da coqueluche e que pode causar quadro atípico em crianças maiores e adultos caracterizado por tosse prolongada, muitas vezes confundido com sinusites e alergias.
– Como prevenir?
R: Para vários destes agentes infecciosos citados existem vacinas seguras e eficazes que estão no calendário vacinal do Ministério da Saúde. Para muitos vírus não há vacinas, então os hábitos de etiqueta respiratória são importantes. Vírus respiratórios são transmitidos por contato direto (gotículas eliminadas por tosse ou espirro) e principalmente pelas mãos contaminadas.
– Há uma faixa etária que tem sofrido mais com estas mudanças de temperatura?
R: Os bebês menores de 2 anos, principalmente os que ainda não completaram 1 ano, são mais acometidos por doenças respiratórias em função de uma série de características anatômicas e fisiológicas, como imaturidade do sistema imunológico e menores reservas respiratórias. A musculatura respiratória é menos resistente à fadiga, as costelas são mais cartilaginosas e retificadas e a resistência das vias aéreas é maior. Isso tudo torna a eficiência respiratória menor em bebês e facilita a instalação da insuficiência respiratória.
– A criança fica mais vulnerável na escola?
R: A escola é um local de contato com várias outras crianças, então, sem dúvidas, há aumento da transmissão de vírus respiratórios quando as crianças vão para a creche ou escola. Crianças que frequentam creche têm o dobro de infecções respiratórias por ano em relação àquelas que não frequentam. Além disso, crianças maiores (pré-escolares e escolares) acabam trazendo vírus da escola que são transmitidos aos irmãos menores em casa. Um vírus que causa apenas resfriado comum em um escolar pode causar pneumonia ou bronquiolite em um bebê. Outros fatores como o tabagismo passivo e o abandono precoce do aleitamento materno também aumentam a frequência de infecções respiratórias em crianças pequenas.
– O que fazer para aumentar a imunidade dos pequenos?
R: Manter hábitos saudáveis de vida, comer bem, dormir bem, ter atividades físicas diárias que no caso das crianças são as brincadeiras lúdicas, zelar por um ambiente familiar harmônico, manter as vacinas em dia e visitar periodicamente o pediatra.
– Como saber se o quadro é leve e pode ser tratado em casa e quando procurar um médico?
R: Se a criança apresentar sinais de alarme como dificuldade respiratória, febre alta, ruídos respiratórios, como estridor ou chiado audíveis, rouquidão, palidez, vômitos repetidos, cefaleia de forte intensidade, comprometimento do estado geral, criança abatida e que não quer brincar ou interagir com os familiares, devem ser levadas para avaliação de um pediatra.
– Além das vacinas habituais do calendário, quais outras são recomendadas?
R: A vacina contra meningite B, contra dengue e a vacina pneumocócica 15-valente julgo serem importantes para complementação do calendário do Ministério da Saúde, que é um dos melhores calendários vacinais do mundo, mas precisa de atualizações.
– Existe algum surto de doença atualmente ou com probabilidade de acontecer? Qual e por quê?
R: Por conta da baixa cobertura vacinal, doenças como sarampo e coqueluche podem voltar a ser problema. Além disso, em 2024 tivemos péssimos números no que diz respeito à dengue. Isso vai se repetir em 2025 se nenhuma ação preventiva de saúde pública for tomada. Ações de combate ao mosquito transmissor, até mesmo distribuição de repelentes eficazes para a população mais carente, e campanhas de conscientização quanto à eliminação de criadouros do mosquito. Além disso já existe vacina segura e eficaz para a faixa etária dos 4 aos 60 anos, que, na minha opinião, já deveria fazer parte do calendário do Ministério da Saúde.
– O que você tem visto de diferente nos consultórios que não foi visto em outros anos?
R: Infecções bacterianas são cada vez mais difíceis de tratar por conta do uso abusivo de antibióticos. Fora isso, sinceramente, nada diferente. Os problemas existentes são os mesmos e conhecidos há muitos anos. Hospitais e pronto atendimentos com falta de recursos no SUS, falta de leitos de UTI-Pediátrica, colapso do sistema público de saúde nos períodos de pico das doenças respiratórias. Todos os anos, no período de sazonalidade das bronquiolites por exemplo, temos inúmeros lactentes intubados esperando por vagas em UTI que às vezes aparecem tarde demais.
Os profissionais de saúde (médicos, enfermeiros e fisioterapeutas) são sobrecarregados e mal remunerados. Faltam recursos nas emergências para prover suporte respiratório adequado. Lidamos com epidemias de dengue, zika e Chikungunya. Quem pode pagar por um bom plano de saúde tem acesso a tratamento mais precoce com melhores recursos e melhores resultados. Não adianta só reclamar e achar que o poder público resolverá esses problemas, é necessária a mobilização da sociedade civil pelo bem das nossas crianças.
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JULIANA ANTUNES SANTOS
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