Daniel Cerveira
Recentemente, o STJ proferiu decisão em sede do recurso especial nº 2101659 – RJ (2023/0028492-4), através da qual, por maioria, reformou acórdão prolatado pelo TJ/RJ que havia condenado o “Shopping Rio Design Barra” por suposta concorrência predatória, nos seguintes termos:
“O ponto nodal da presente lide consiste em verificar se houve ou não inadimplemento contratual por parte do Shopping quando da autorização para a instalação de restaurante de culinária japonesa no salão comercial em frente ao locado pela parte autora, do mesmo ramo. 2. Prova dos autos, notadamente pericial, que indica a ausência de qualquer estudo prévio sobre a viabilidade da convivência dos dois restaurantes, em flagrante violação ao conceito de tenant mix, intrinsecamente ligado ao planejamento e estudo prévio de distribuição, organização dentro de um centro comercial, a fim de maximizar os lucros e operacionalização”.
O tenant mix entende-se como a distribuição harmoniosa dos segmentos de negócio dentro do shopping center. E, por razões óbvias, é função primordial dos empreendedores formar uma combinação de lojas que atenda os interesses dos consumidores, pois, por exemplo, ninguém gostaria de frequentar um centro de compras que somente é constituído por lojas de sapatos, isto é, as pessoas frequentam os shoppings justamente porque lá encontram tudo o que precisam, sem contar os interesses do ponto de vista da segurança, lazer etc.
Sob este prisma, é esperado, pelos lojistas, que os administradores dos templos de consumo não exagerem na instalação de estabelecimentos do mesmo ramo. A concorrência é saudável e beneficia a todos, porém o excesso não.
Os contratos de locação de espaços em shoppings estabelecem, naturalmente, que o locador é livre para determinar quais marcas adentrarão no empreendimento, sendo ele o único responsável no que tange à formação do tenant mix.
No entanto, à luz da legislação pátria, o locador tem o dever de distribuir as atividades de modo que permita que todos os lojistas consigam, minimamente, competir saudavelmente entre si.
É neste sentido que decidiu o TJ/RJ e o STJ, embora este último tenha dado ganho de causa ao centro de compras, sob o argumento de que não ficou provado que a inauguração do restaurante concorrente afetou severamente o autor da demanda, no sentido de que este não ficou em situação de desvantagem excessiva: “…4. Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação, salvo se as cláusulas colocarem os locatários em desvantagem excessiva. 5. Na hipótese, a previsão de preferência apenas temporária não trouxe excessiva desvantagem para o locatário, seja porque a cláusula estava claramente redigida e, portanto, passível de avaliação de risco antes mesmo da instalação do restaurante, seja porque a admissão de outro restaurante do mesmo ramo no shopping trouxe aumento no faturamento do locatário. 6. A organização das lojas (tenant mix) tem como objetivo atrair o maior número possível de consumidores e incrementar as vendas. Não é possível, no entanto, garantir que o aumento do número de clientes e das vendas, como aconteceu no presente caso, resultará no incremento dos lucros dos lojistas, pois várias causas concorrem para esse fim”.
Pelo exposto, o shopping center tem a obrigação de delimitar uma organização de atividades coerente com o perfil do empreendimento, de modo que inexista uma competição demasiada entre os locatários.
*Daniel Cerveira, sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados. Autor dos livros “Shopping Centers – Limites na liberdade de contratar”, São Paulo, 2011, Editora Saraiva, e “Franchising”, São Paulo, 2021, Editora Thomson Reuters Revista dos Tribunais, prefácio do Ministro Luiz Fux, na qualidade de colaborador. Consultor Jurídico do Sindilojas-SP. Colunista do site Central do Varejo. Integrante da Comissão de Expansão e Pontos Comerciais da ABF – Associação Brasileira de Franchising. Pós-Graduado em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP) e em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atuou como Professor de Pós-Graduação em Direito Imobiliário do Instituto de Direito da PUC/RJ, MBA em Gestão em Franquias e Negócios do Varejo da FIA – Fundação de Instituto de Administração e Pós-Graduação em Direito Empresarial da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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MURILO DO CARMO JANELLI
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